Há uma grande confusão a respeito do nada. Entendemos o nada, em valor absoluto, muitas vezes como o zero. Nada foge mais da realidade. O nada está muito mais próximo do tudo. O nada é a mãe de todas as possibilidades.
Como a família que não criei. A lua de mel que não chegou. É a risada que não busquei, como a lágrima ou a raiva reprimidas. A casa nunca arrumada e é a habilidade não desenvolvida. Muito pra além da impotência, o nada é a potencialidade latente, adormecida.
No seu fluxo, intermitente, a fome que ignoro e o que me alimenta. Não tenho nada, não quero nada, e nada é tudo o que sou. Nele está o meu conforto. Longe do conforto do abraço quente, que nego e mais que tudo anseio. A palavra pequena de dizer mas dura de aceitar, o verbo - transitivo e intrasitável - que não alcanço, pois não reconheço e não admito. É o amor.
Clichê batido, mercadoria cara. Mas é a carência maior de todos nós. Ouso abreviar suas quatro letras rasgando o papel e o sangrando o livro mas não permito que saia de minha boca. Não me quero submeter, não me admito submisso. Se fosse dela, seria meu? Se desse a ela meus dias, minhas energias, fosse esse meu presente. Seria eu feliz? Caibo onde amo, ou só posso ali depositar pequena parte do que eu sou?
Não saberia, estando - como de praxe - sempre bêbado. A menos, claro, que pudesse tragar o amor. Como se a minha humilde existência pudesse coexistir com algo tão grandioso. Como se amar a outro não fosse me trair. Não. Amar a outro é o último e mais cru dos gestos de traição. Aceitar que me ame, é concorrer com a angustia de outro que certamente se aleijaria um pouco ao me dar o que é de seu mais caro. Escolho não faze - lo porque não seria nunca capaz de tamanha vilania. Não poderia. Não com minha alma de poeta bêbado, que numa ressaca acorda abraçado a nada. Nenhuma amante, nenhum horizonte pra além da miopia emprestada de nosso tempo, nenhum propósito que me leve além. Duras que sejam as palavras, amarga que esteja essa ressaca em minha boca, nada disso supera em mim o sentido do amor como ausência, essa sim o éter que permeia o nada.
Mas quanta seja a negação na qual me apoie, é o nada que ainda me abraça pela manhã, com a doçura de uma mãe e a ternura de uma esposa. Algemas, que estão presas como a um grande elefante de memória pesada como o tempo, não me prendem de verdade. Muito frágil para me conter, na minha potencialidade de ser humano a completar e sem Rosa dos ventos a guiar me. Esse o nada, branco. Branco. Alabastrico pilar de minha vida, que ali não está porque lhe fujo. Não por covardia, ou que fuja para lhe perder, mas fujo apenas num jogo bobo de gato e rato (onde alguém, praga de mãe, uma hora enfim se cansa). Quem sabe um dia esteja pronto a devolver o abraço do nada que me espera logo ali, de braços abertos. Pilar suspenso que não prende ao chão.
Porque o nada, esse é o infinito.